Com 10 anos de "resistência" no underground a banda Solstício de Cabo Frio, Região dos Lagos, acaba de lançar um novo material, sem perder o peso nem a linha do seu Hardcore ao longo de todo esse tempo. A banda passa grandes mensagens em suas letras, os caras tem realmente algo a dizer, é para ler do começo ao fim.
Integrantes:
Marcelo Fernandes (v),
Davi Beata (g),
Raphael Rodrigues (b),
Victor Louzada (d)
Ano de formação: 1999
Tipo de música: Rock/Hardcore/Metal
Material:
“Fúria Sangue e Fogo”, demo, 1999
“Produto das Circunstâncias”, demo, 2002
Split CD, com Larusso (Santos - SP) 2004
“Tempestade”, EP, 2010
Sites:
Em 2004 o Solstício deu uma parada, voltando em 2008 e agora em 2011 vocês estão com material recém lançado, esse tipo de trajetória é bastante comum entre bandas que estão há muito tempo no underground; quando você tem 15/16 anos e só tem o colégio com que se preocupar é uma coisa, com o tempo as responsabilidades aumentam, e começamos a sermos mais cobrados socialmente. Com mais de 10 anos de banda, o que os motiva a continuarem na luta?
Davi – Além de boa dose de teimosia, dentre outros fatores, a certeza que podemos oferecer algo diferente, dentro da nossa realidade, e quem sabe somar assim como soma para nós fazer parte disso.
Marcelo – Sem dúvida, para mim, a motivação vem da necessidade de dizer coisas que, na minha opinião, são relevantes, principalmente no momento em que vivemos.
As músicas do Solstício têm um alto teor político, as mensagens contidas nas letras são embaladas por uma sonoridade forte e bastante direta, qual é a relação entre o que está sendo dito na música e o Hardcore praticado por vocês? Pode se dizer que o Hardcore, para além das questões rítmicas, é uma vertente do Rock/Heavy Metal mais comprometida com a realidade social?
Davi – Nesse caso a relação embalagem/conteúdo é natural. Em se tratando de rótulos e generalizações a segunda afirmação é impossível. O rock e boa parte dos “movimentos” musicais nas suas origens, tem caráter social pareado à realidade da época, ordinariamente mascarado ou diluído na massificação como produto, mantendo compromissos apenas estéticos. Vide o caso do reggae e da MPB no seus primórdios. O mesmo aconteceu com o “hardcore” e igualmente com o “punk” de onde derivou, que tinha espírito renovador e ironicamente por alguns, assumiu aspecto conservador e purista ou sobreviveu apenas como arquétipo.
Na entrevista dada ao Speed Zine* em Maio de 2010, o Marcelo diz que a cena underground passa por uma fase de imaturidade, com muitas bandas tendo posturas assumidamente ou inocentemente proto-fascistas, falando de ódio e tendo atitudes anti-democráticas nos shows. Eu gostaria que ele comentasse mais sobre isso. Como e em que circunstâncias são perceptíveis essas atitudes. Seria uma falta de engajamento?
Marcelo – Creio que o grande momento proto-fascista, a catarse infantil conservadora, a babaquice “classe média” individualista, tem seu momento de glória numa coisa chamada MOSH PIT. Particularmente fico envergonhado ao ver um triste espetáculo como esse, onde a vibração se sobrepõe ao cérebro. Bem... sinal dos tempos!!
É uma grande pena ver que os shows de hardcore são cada vez mais, divertido apenas para os poucos que expressam suas inseguranças de gênero vestindo a capa de garotos maus. Enquanto isso, pra muita gente os shows de hardcore se limitam a assistir os shows e torcer para não levar o pé de algum idiota na cara. Isso, sem dúvida é reflexo do momento de alienação pelo qual o hardcore passa atualmente.
Em Março o Solstício se apresentou em dois locais diferentes da cena do Rio de Janeiro, dia 12/03 em São Gonçalo e 13/03 em Botafogo, como foi a receptividade do público e shows de uma forma geral nesses lugares?
A grande maioria dos nossos shows marca o reencontro com amigos, muitos dos quais só podemos encontrar justamente nesses momentos. Só isso já faz cada show ser especial. Mas nos shows citados, recebemos muita atenção por parte de todo mundo que estava lá, o que tornou esses eventos marcantes para nós.
Qual é a maior diferença que vocês sentem da cena da capital, para a cena do interior, no caso de vocês e do meu também, a Baixada Litorânea do Rio de Janeiro, mas conhecida como Região dos Lagos?
Davi – O que é interessante no interior é a convergência da cultura “underground”. É comum encontrar jovens de preferências distintas, identificados como grunges, góticos, posers, hardcoreanos, punks, metaleiros, modernos, todos compartilhando o mesmo evento. Até bandas, justamente pela falta de quórum. Na capital isso se dá menos, ou exceto artificialmente através de shows de bandas covers ou mega eventos, assim o público se restringe a nichos específicos.
Iniciativas como MUC, Movimento Underground Carioca, têm buscado uma maior integração entre os elementos do underground, visando assim melhorar a condição das bandas e dos eventos. A grande meta a ser alcançada é de que as bandas tenham condições de se sustentarem, pois muitas bandas param de tocar por não terem mais como se bancar ou por pura falta de motivação e incentivo. Estamos só no começo e tem muito trabalho a ser feito, com o tempo de estrada de vocês e tendo tocado em vários locais diferentes, gostaria de saber de vocês um pouco do que funciona e do que não funciona em se tratando de underground.
Davi – Muitas das dificuldades são reflexo da alta concentração de poder, dos meios de comunicação e recursos, características da sociedade brasileira, restringindo o acesso à cultura e informação, visando o modelo de pensamento único mercantil subserviente. Assim temos poucas bandas e conjuntos riquíssimos, recebendo cachês milionários no mainstream, enquanto centenas de milhares de outros ficam à míngua sem possibilidades de se desenvolver. No Brasil, em geral músico profissional é sinônimo de acompanhante de “artistas”, músico de estúdio, instrutores, compositores de jingles, ou de modo geral intérpretes, visto que não há espaço, e por conseqüência interesse, em bandas autorais, ainda mais quando diferentes dos moldes entendidos como populares, fruto dessa manipulação midiática.
- Dessa forma não é recomendável que ninguém aqui espere sobreviver unicamente de sua música, a não ser nessas condições e com muita boa vontade.
- Todavia esse sistema sofreu abalo e, embora gerações ainda respirem seu ranço, com as novas tecnologias hoje é mais fácil produzir e divulgar a própria banda, encontrando pessoas que se interessem por ela, independente do estilo, se realmente reunir alguma qualidade ou diferencial, comunicar ou obtiver identificação desses. Com compromisso, trabalho e alguma sorte, é possível tocar recuperando gastos e atingir alguns objetivos.
- No tocante ao underground, é básico; dar espaço para bandas novas e velhas, proporcionar condições para que os shows se dêem da melhor maneira, com qualidade de som, pontualidade, fomentando intercâmbio de localidades e estilos, sempre primando pelo respeito mútuo, possibilitando visibilidade às bandas que vêm de longe e com atividades, atrativos e divulgação suficiente para que pessoas participem dos eventos. Além de usarmos as ferramentas de que dispomos com inteligência, buscando ocupar espaços, tanto virtuais como este blog, quanto físicos, ampliando o caráter comunitário.
Eu em nome do blog Rockalogy agradeço pela colaboração de vocês e a gentileza de responderem a tão extensas e por vezes complexas questões aqui propostas. Tomo a liberdade de iniciar desta forma, oficialmente, a parceria Rockalogy e Solstício, pois a união é o que liga, não é mesmo. Muito obrigada.
Davi – Natália, nós que agradecemos pelo interesse e iniciativa. Obrigado e vida longa!
Marcelo - Muito obrigado Natália. Stay true!!!
*Entrevista Speed Zine, Fernando Carvalho (link)